quarta-feira, 29 de maio de 2013

EU ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
 
(Carlos Drummond de Andrade)  
 

http://pensador.uol.com.br/frase/MjAyODM0/

8 comentários:

  1. O poema de Carlos Drummond de Andrade fala sobre a sociedade de consumo, que todas as pessoas tentam querer andar na moda e acaba se escondendo através de “Trapos”, que só porque tem uma certa “marca” cobiçada por muitos faz com que a peça de roupa triplique o valor original .Isso é sociedade de consumo e entra o capitalismo nessa certa “brincadeira”... Ele também diz uma realidade que ninguém consegue visualizar, nós seres-humanos somos propagandas ambulantes, somos acima de tudo toscos, pois entre tantos problemas vivenciados no mundo agente ainda fica preso nessa sociedade capitalista ,e através dessa certa diferença de quem pode mais , cria uma certa discriminação com outras pessoas que não tem muitas condições de ter os mesmo objetos materiais que outras pessoas possuem.

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  2. Gostei muito desse poema inclusive a frase " E fazem de mim homem-anuncio itinerante, escravo da matéria anunciada.

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  3. As pessoas são julgadas pelas roupas que vestem, pelas coisas que tem e não pelo que elas realmente são, e se as pessoas não andarem "na moda" elas vão ser excluídas, não vão ser notadas.

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  4. Esse poema fala sobre como nós somos rotulados diariamente pelas roupas que usamos. A moda comprou nossa personalidade, ou seja, nós somos apenas produtos, anúncios, uma simples propaganda...
    Neste mundo, nós fomos comprados por coisas materiais. A cada "evolução" que um produto passa, não podemos deixar de ter, não podemos deixar de consumir... E isso nos transforma cada vez mais, em escravos do mundo consumista.

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  5. Este poema reflete a sociedade atualmente e até mesmo nos tempos antigos, que as pessoas se escondem através do seu modo de vestir, muitas se veste de seu gosto, não ligando para a opinião, mas a maioria pensa muito sobre a opinião dos outros, e se esconde com marcas de roupas, só pra andar na moda, para ter atenção, e isso é o que aumenta cada vez mais o consumismo.

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  6. esse poema de Carlos Drummond de Andrade é uma critica a sociedade consumista que se esconde atraz de marcas de roupa perdendo seu carater

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  7. Esse poema fala sobre como as pessoas usam as roupas e usam sem saber o que ela mesma significa,fala sobre como as pessoas só ligam para o modo como vão se vestir, querendo andar na moda,sem ao menos saber o significado da veste que está usando.

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  8. Poema muito bom, pois fala sobre o efeito da propaganda em nossa vida e as pessoas que ao invés de vestir o que gostam, usam o que a ''moda manda''

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