sexta-feira, 8 de abril de 2011

Uma Vela para Dario (Dalton Trevisan)



Uma Vela para Dario- de Dalton Trevisan

Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo. Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque. Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado.O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar.Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta.Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espumas surgiram no canto da boca. Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver.Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela.O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada,soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede.Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado. A velinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o taxi da esquina. Já no carro a metade do corpo,protestou o motorista: -Quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede-não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata. Alguém informou da farmácia na outra rua.Não carregaram Dario além da esquina;a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado.Foi largado na porta de uma peixaria.Enxame de moscas lhe cobriu o rosto,sem que fizesse um gesto para espantá-las. Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delícias da noite. Dario ficou torto como o deixaram,no degrau da peixaria, sem relógio de pulso.Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados- com vários objetos- de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca.Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença.O endereço na carteira era de outra cidade .Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas:era a polícia.O carro negro investiu a multidão.Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes. O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo – os bolsos vazios.Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo- só podia destacar umedecida com sabonete.Ficou decidido que o caso era com o rabecão.A última boca repetiu – Ele morreu, ele morreu.A gente começou a se dispersar.Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim.Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo ar de um defunto. Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos. Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva. Fecharam-se uma a um as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.


Texto extraído do livro “vinte Contos Menores”, Editora Record – rio de Janeiro, 1979, pág.20.Este texto faz parte dos 100 melhores contos brasileiros do século,seleção de Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva.


Biografia de Dalton Trevisan

Nascido em 14 de junho de 1925, o curitibano Dalton Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava lança seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1925 estreou-se com um livro de qualidade incomum, Sonata ao luar, e, no ano seguinte, publico Sete Anos de Pastor. Dalton renega os dois. Declara não possuir um exemplar sequer dos livros e “Felizmente já esqueci aquela barbaridade”. Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, “uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil”. A publicação tornou-se porta-voz de uma geração de escritores, críticos e poetas nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio Candido, Mario de Andrade e Otto Mario Carpeaux e poema até então inéditos, como Ocaso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia traduções originais de Joyce, Proust, Kafka, Sartre e Gide e era ilustrada por artista como Poty, Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres. Já nessa época, Trevisan era avesso a fotografias e jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro Novelas Nada Exemplares – que reunia uma produção de duas décadas e recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do livro – e conquistou o grande público. Acresce informar que o escritor, arisco, água, esquivo, não foi buscar o prêmio, enviando representantes. Escreveu, entre outros, Cemitério de elefantes, também ganhador do Jabuti e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte na praça, que recebeu o Prêmio Luis Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um de seus livros, foi transformado em filme em 1975. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas: espanhol, inglês, alemão, italiano, polonês e sueco. Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: “A Polaquinha”), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de obra. Mas Trevisan continua recusando a fama. Cria uma atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas “D. Trevis” e não recebe visitas – nem mesmo de artistas consagrados. Enclausura-se em casa de tal forma que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba, título de um de seus livros. “o ’’Nélsinho” dos contos originalíssimos é considerado desde há muito “o maior contista moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante”. Incorrigível arredio, há bem mais de 35 anos, com um prestígio incomum as maiores capitais do País. Trabalhador incansável, fidelíssimo ao conto, elabora até a exaustão e a economia mais absoluta, formiguinha, chuvinha renitente e criadeira, a ponto de chegar ao tamanho do haicai, Dalton Trevisan insiste ontem, hoje, em Curitiba e trabalhando sobre a gentes curitibanas (“curitibocas”,vergasta- as com chibata impiedosa) e prossegue,com independência solene e temperamento singular, na construção e dissecação da supera-realidade de luas, crianças, amantes, velhos, cachorros e vampiros. “E polaquinhas, deveras.” Em 2003, divide com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país – o 1 Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira - com o livro “Pico na Veia”.



LIVROS PUBLICADOS:

- Abismo de rosas - Ah, É? - A faca no Coração - A guerra Conjugal - A Polaqui00nha - Arara Bêbada - A Trombeta do Anjo Vingador - 111 Ais - Capitu Sou Eu - Cemitério de Elefantes - Chorinho Brejeiro - Contos Eróticos - Crimes de Paixão - Dinorá - Novos Mistérios - Desastres do Amor - 234 - Em Busca de Curitiba Perdida - Essas Malditas Mulheres - Gente Em Conflito (com Antônio de Alcâtara Machado) - Lincha Tarado - Meu Querido Assassino - Morte na Praça - Mistérios de Curitiba - Noites de Amor em Granada - Novelas nada Exemplares - 99 Corruíras Nanicas - O Grande Deflorador - O Pássaro de Cinco Asas - O Rei da Terra - O Vampiro de Curitiba - Pão e Sangue - Pico na veia - Primeiro Livro de Contos - Quem tem medo de vampe



Conclusão Dalton Trevisan era um escritor que nos fala e tenta expressar as realidades que muitas pessoas desconhecem. Na crônica ele tenta nos mostrar que existem pessoas ruins que só querem fazer o mal e também existem pessoas que querem ajudar outras pessoas por que gostam de fazer o bem. Eu acho que Dalton deve ter vivido, visto ou ouvido coisas muito ruins.Ele deve ter chorado muito quando criança por isso ele revela tudo em seus livros. Ao lermos nós ficamos sabendo do que aconteceu ou acontece nos dias de hoje, que muitos políticos e polícias escondem ou acobertam crimes e bandidos. Mas mesmo com tudo isso,ainda existe uma boa parte de pessoas boas e políticos bons, que ainda insistem em ajudar e lutar para acabar com a corrupção e ter uma vida digna. Conclusão da crônica de Dalton Trevisan – "Uma Vela para Dario"


Bibliografia: Texto extraído do livro “vinte Contos Menores”, Editora Record – rio de Janeiro, 1979, pág.20.Este texto faz parte dos 100 melhores contos brasileiros do século,seleção de Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva




31 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. o texto é otimo
    muitas pessoas não tem a conciencia de que é melhor ajudar do que atrapalhar
    matheus dos santos brito n°20 8°ano b

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  3. o texto fala exatamente o que acontece
    tem muitas pessoas pra ajudar assim como tem muitas pessoas pra criticar :)
    sara vieira n°29 9°ano A

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  4. As pessoas em vez de ajudar ele,o roubou,tirando tudo dele;terno,sapato,relogio,anel,gravata,etc. Na vida poucos estão dispostos a nos ajudar.

    nome:Duilio nº07 6ºano C
    email:duiliojc@hotmail.com

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  5. Muito bem!
    Temos alunos do sexto ano comentando também!
    Que legal!
    É isso aí.
    Todo mundo lendo ("fazendo ginástica para o cérebro" -rsrs) e comentando!

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  6. só falta um grande escritor e professor neste blog o professor maurilio matheus dos santos 8°b

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  7. As pessoas muitas vezes não percebem que estão atrapalhando e acham que estão ajudando, e aproveitam de situações para pegar o que temos de bom,não só coisas materiais!

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    1. É verdade Rafaela.
      O mundo está repleto de aproveitadores e oportunistas!
      O texto mostra isso.

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  8. Muito bom, o texto retratando como a vida pode ser tão solitária e triste, e como o homem só é solidário quando algo lhe interessa.

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    1. Certo, Alex. Vc observou características de nosso tempo presentes no texto.

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  9. Esse trecho mostra como as pessoas hoje em dia não fazem caso quem está necessitando de ajuda. Mesmo que tentem ajudar, a preguiça e a frieza os impedem, dando as mais simples desculpas para não fazerem nada.

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  10. O texto nos mostra a triste realidade em que vivemos, em especial no nosso país,onde muitas pessoas se aproveitam da debilitação das outras para se beneficiarem.

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  11. O conto, friamente representa a noção do humano-animal, suas emoções apagadas, apenas a sobrevivência sobressalente! A vida do ser um ser humano em meio ao caos, parece não ser de importância ao próximo,a menos que ele tenha algo à oferecer...

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  12. O texto mostra o que ocorre na realidade, onde muitas vezes deixamos de ajudar alguém quando surgem dificuldades. Acredito que o autor quis mostrar isso como as pessoas desistem facilmente de algo, quando se complicam, e também tentam tirar proveito da situação de alguma forma.

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  13. Esse conto representa o egoísmo humano e faz crítica aos modos contemporâneos da sociedade.

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  14. O texto retrata sobre a realidade atual e nos mostra que no final de tudo, sempre estaremos sozinhos.

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  15. Podemos comparar o texto com os tempos atuais, onde algumas pessoas se preocupam apenas com elas mesmas e além de não ajudar aos outros, ainda ajudam a atrapalhar a vida dos outros.

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  16. O texto relata como o individualismo é presente na obra,com destaque para o silêncio e distanciamento.Onde as pessoas veem um homem morrendo,começam a ajudá-lo,mas acabam o abandonando por causa de seus próprios interesses e pretensões.

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  17. O texto retrata muito bem como a maioria das pessoas se comportam hoje em dia, tirando vantagem de todas as coisas possíveis até as mais barbaras, passando por cima dos outros, sem pensar no próximo. Muito bom o texto!

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  18. Na maioria das vezes as pessoas só se preocupam com elas mesmas. E além disso o autor mostra que tem pessoas que preferem se aproveitar de determinados momentos ao invés de ajudar aqueles que precisam.O texto é bem parecido com a nossa realidade, hoje em dia é muito comum vermos as pessoas criticando, tirando aproveito e na hora de ajudar acabam inventando desculpas para não ajudar.

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  19. Triste realidade, infelizmente o descaso está presente e a morte é algo corriqueiro. A única vontade que existe é a de não fazer algo, mesmo que seja pra ajudar.

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  20. Este texto reflete a realidade do nosso dia a dia, de pessoas que ignoram ou tratam com extremo pouco caso os que mais necessitam de ajuda.

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  21. O texto demonstra como a sociedade pode ser referenciada atualmente, pelo fato de estarmos sozinhos e como a sociedade pode ser fria com relação aos outros.

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  22. O texto é bem interessante. Nele pode-se perceber um conflito para salvar a vida do personagem, tornando um problema para todos que passam por aquele local.

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  23. O texto mostra como muitas vezes estamos sozinhos, porque geralmente as pessoas não estão dispostas a ajudar ao próximo.

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  24. Dario prestes a morrer e as pessoas tentaram ajudar-lhe quando o colocaram no táxi ninguém queria pagar a corrida. Além disso roubaram seus pertences. Isso mostra que as pessoas pensam somente em si mesmas e na hora de tomar uma atitude se aquilo não beneficiam a si mesmo eles não fazem.

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  25. Triste realidade do mundo em que vivemos :/

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  26. O trecho expressa a ignorância das pessoas da nossa realidade, onde no século XXI, a maioria das coisas são evoluídas com exceção da mente das pessoas.

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  27. O Autor pôde transmitir no texto, um certo clima de tristeza entre as pessoas presentes ao incidente, Dário teve uma morte solitária, e acenderam por ele,apenas uma vela.

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