segunda-feira, 15 de abril de 2013

A MENININHA E O GERENTE - CARLOS_DRUMMOND_DE_ANDRADE


" – Não, paizinho, não! Quero ir com você!

        – Mas meu bem, não posso levar você lá. O lugar não  é  próprio. Não vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me  esperando aqui.

        – Não, não!- a garotinha soluçava. Agarrou-se a  calça  do  pai como quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia:

        – Que bobagem, uma  menina  de  sua  idade  fazendo  um  papelão desses.

        – Você não volta!

        – Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.

        Prometendo, ele passeava  o  olhar  pela  rua,  impaciente.  Ela baixara a cabeça, chorando. Estavam diante  da  papelaria.  O  gerente assistia à cena. O homem aproximou-se dele:

        – Faz-me o obséquio de tomar conta de  minha  filha  por  alguns instantes? Vou a um lugar desagradável, não posso levá-la comigo.

        – Mas…

        – Quinze minutos no máximo. É ali adiante. Muito obrigado, bem?

        E sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel, o dorso da mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos, de leve.

        – Vem cá.

        Ela não se mexeu.

        – Como é que você se chama? Carmen? Luísa? Marlene?

        Como  não  respondesse,  o  gerente  foi  desfiando  nomes,  sem esperança de acertar. Mas ao dizer “Estela”,  a  cabecinha  moveu-se, confirmando.

        – Estela, você sabe que está com um vestido muito bonito?

        Estela tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e não disse nada.

        Mas o gelo fora rompido. Daí a pouco o  gerente  mostrava-lhe  a caixa registradora e autorizava-a a marcar uma venda de 200 cruzeiros.

        – Olha um gatinho. Ele mora aqui?

        – Mora.

        – E que é que ele come?

        – Papel.

        – Mentiroso!

        – Então pergunte a ele.

        O gato acordou, deixou-se afagar e tornou a  dormir,  desta  vez nos braços de Estela.

        O gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze  minutos,  o homem não aparecia. “Bonito se ele não vier mais. Que vou fazer com esta garotinha, na hora de fechar?”

        Tentou lembrar o rosto do desconhecido; impossível.  Já  pensava em telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna:

        – Além da máquina e do gatinho, você não tem mais nada  para  me mostrar?

        Ele abarcou com a vista a loja  toda  e  sentiu-a  mal  sortida, pobre. “Eu devia ter aberto uma loja de  brinquedos,  pelo  menos  um bazar.” Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E  o homem não vinha. É, não vem mais. Estela andava de um lado  para  outro, dona do negócio. Ele, inquieto.

        – Não mexa nas gavetas, filhinha.

        – Não sou sua filhinha.

        – Desculpe.

        – Desculpo se você deixar eu abrir.

        – Então deixo.

        Dentro havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal.  E  ele que não se lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e  o  homem não vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as  filas  de lotação iam crescendo. Daí a pouco, a noite.

        Estela soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo  tempo. Um estourou. Ela assustou-se. Ele riu.

        “Se o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás a cara dele  era de calhorda. Ainda bem que me escolheu.” Levaria  Estela  para  casa,  a mulher  não  ia  estranhar,  fariam  dela  uma  filha –  a  filha   que praticamente não tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E  se o pai reclamasse depois? Ora, quem entrega sua filha a um estranho,  diz que vai demorar quinze minutos, passa uma hora e não volta,  merece  ter filha?

        O empregado arniava a cortina de aço quando  apareceram  duas pernas, um tronco inclinado, uma cabeça.

        – Dá licença? Demorei mais do que  pensava,  desculpe.  Muito obrigado ao senhor. Vamos, filhinha.

        O gerente virou o rosto, para não ver,  mas  chegou  até  ele  a despedida de Estela:

        – Até-logo, homem do balão!
    E a filha ficou mais longe ainda, no Peru."


Fonte: (Seleta em prosa e verso - Carlos Drummond de Andrade, 9ª ed. Rio de Janeiro, recorte 1987)
        


Glossário: 

1. Obséquio - 

Benefício, gentileza, favor.

2. Dorso -

O reverso ou parte posterior de alguma coisa.

3. Afagar - 
 Acarinhar, fazer carinhos, acariciar. 

4. Abarcou -
Abraçar, abranger, cingir.
5. Sortida -
 
Abastecer

6. Declinava -
Diminuir em forças, atividade, vigor ou intensidade; decair.

7. Calhorda -

Diz-se de, ou pessoa desprezível; mal ajeitada.

8. Arriava - Abaixar, fazer descer, amainar: arriar a bandeira.

9. Desfiando - 

Referir, narrar ou explicar minuciosamente.

10. Ignorância - 

Falta geral de conhecimento, de saber, de instrução.
Fonte do glossário: Dicionário Aurélio.


BIOGRAFIA DO AUTOR - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 




Nasceu em Minas Gerais, em uma cidade cuja memória viria a permear parte de sua obra, Itabira. Seus antepassados, tanto do lado materno como paterno, pertencem a famílias de há muito tempo estabelecidas no Brasil. Posteriormente, foi estudar em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo, e em Nova Friburgo com os Jesuítas no Colégio Anchieta. Formado em farmácia, com Emílio Moura e outros companheiros, fundou "A Revista", para divulgar o modernismo no Brasil.

Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais, com quem teve dois filhos, Carlos Flávio, que viveu apenas meia hora (e a quem é dedicado o poema "O que viveu meia hora", presente em Poesia completa, Ed. Nova Aguilar, 2002), e Maria Julieta Drummond de Andrade.No mesmo ano em que publica a primeira obra poética, "Alguma poesia" (1930), o seu poema Sentimental é declamado na conferência "Poesia Moderníssima do Brasil", feita no curso de férias da Faculdade de Letras de Coimbra, pelo professor da Cadeira de Estudos Brasileiros, Dr. Manoel de Souza Pinto, no contexto da política de difusão da literatura brasileira nas Universidades Portuguesas. Durante a maior parte da vida, Drummond foi funcionário público, embora tenha começado a escrever cedo e prosseguindo até seu falecimento, que se deu em 1987 no Rio de Janeiro, doze dias após a morte de sua filha. Além de poesia, produziu livros infantiscontos e crônicas.
  • SÍNTESE DO GRUPO. 

    O texto fala sobre uma menininha que queria ir com seu pai para determinado lugar, porém ele não deixou de forma alguma e acabou deixando-a com o gerente da papelaria. Com o passar do dia, o gerente foi se apegando à menina e vice-versa. O pai demorou muito para voltar, mas voltou causando uma triste despedida entre a menininha e o gerente.
    O texto em geral é ótimo. A história foi super bem contada, porém, seria mais bonito se no fim da história a menininha ficasse com o gerente que havia se apegado a ela. Seria melhor, mais bonito e justo.
    Porém, pode ser que ao ler esse texto a pessoa tenha achado que o pai agiu errado sim, mas que, como ele é o pai, não tem o mínimo cabimento que a menininha fique com um gerente desconhecido por melhor que suas intenções fossem.

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     E.M.I.E.F Emílio Simonetti. - 9ºA

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    Jéssica nº13

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