O pai pega a filha na escola e ela, mal pega na mão, pergunta se ele conhece minhoca.
— É apelido de alguém?
— Não, pai, é um bichinho que vive na terra, parece uma cobrinha mas não é cobra.
— Eu sei, conheço minhoca — vão de mãos dadas. — Nenhuma especialmente, mas conheço, quer dizer, conheço assim como todo mundo conhece, mas não sou nenhum minhocólogo.
— Que que é isso, pai?
— É o especialista em minhoca, mas não conta pra ninguém, fica só entre nós, tá?
Venta com cheiro de chuva, ele olha para o céu escuro e apressa o passo, os lápis chacoalham na mochila dela.
(Chovia, os meninos recitavam "engorda, minhoca, peixe morre pela boca" e "minhoca dura, minhoca mole, minhoca boa é a que peixe engole". E ele recitava os versinhos como todos os meninos, e cortava uma vara de taquara, deixando secar ao sol, botava linha na vara e chumbada e anzol na linha, e ia com os outros para o rio. Mas, enquanto eles cavocavam a terra ainda úmida, para pegar minhocas, ele já começava a pescar com milho-verde ou bolinhas de macarrão.
Ganhava tempo, enquanto os outros cavocavam, e sempre ia mesmo precisar de tempo: os peixes preferiam as minhocas. Ele ficava vendo os outros a tirar lambaris e tambiús do rio, enquanto os peixinhos miúdos roíam as bolinhas de macarrão, tão miudinhos que não conseguia fisgar nenhum e, quando fisgou, foi um vexame, o menor peixe de todos os tempos. Já quando iscava com milho, ficava horas olhando a vara sem nenhum belisquinho, embora às vezes, bem às vezes, pegasse um campineiro ou uma piaba.
Só não pegava em minhoca, aquela nojeira remelexente e gosmenta, que os meninos cortavam nos dedos; com os mesmos dedos, com o cheiro de carne e terra das minhocas, os mesmos dedos com que pegavam os sanduíches dos embornais e comiam com gosto, enquanto ele ia pescar longe ou pegar frutinhas no mato, coisa de mais certo resultado.)
— Então você acha uma minhoca pra mim, pai?
Ele vê que o vento levou a cabeça para longe dali, mas o corpo continua a andar apressado com a filha pela mão, entre gente que se abotoa correndo, no vento já em redemoinhos, voam folhas e papéis.
— Pra que a minhoca, posso saber?
— É pra estudar, pai.
Ah, os estudos. A escola. A caminhada do homem para o conhecimento, o abecedário e a raiz quadrada passando de geração para geração. E agora, depois da cebola, das batatas, dos feijões, das frutas, dos ovos e tudo mais que a escola tinha pedido nas últimas semanas para a grande sopa educacional, eis que chegava a fase minhocática.
— Mas por que minhoca, filha, não pode ser besouro, lagartixa?
— Não, pai, minhoca! Minhoca faz bem pra terra, pai, aí a terra dá bastante coisa pra gente comer!
— Eu sei, eu sei.
— Minhoca é importante no mundo, pai!
— Eu sei!
Começa a chover. Ficam na marquise da padaria.
— Chuva é chato, né, pai?
— Pra minhoca é muito bom.
— Por quê, pai?
— Depois te conto, na hora de dormir.
Ao menos isso, não terá de repetir a história do cavalinho que não gostava de cenoura ou qualquer outra. Chove. Passam na enxurrada os papéis que agorinha mesmo voavam.
(Os jornais viram lixo, é seu destino, tudo tem sua natureza. Quem sabe minhocas não mereçam mesmo nojo algum. Por quê, só porque comem terra? Comer fetos — como comemos ovos de aves e peixes — não será piormente nojento? Isto, é claro, pensando bem, embora o nojo não pense, só sinta, não é?)
— Pai, por que minhoca não tem perna?
— Porque debaixo da terra não tem onde andar. Mas você vai conhecer bem minhoca, eu vou achar uma minhoca pra você.
Mas passa a chuva, correm no chuvisqueiro, esquecem. No dia seguinte ela lembra na hora do almoço. E insiste, e choraminga, até ele sair para o quintal, ainda com o gosto de comida na boca, para cavocar minhocas. A primeira minhoca, tonta de tanta luz de repente, se enrola nos dedos, ele solta com nojo, a filha pega, a minhoca parece que até se acalma.
Ele cavoca mais, mais minhocas aparecem.
— Escolhe uma, filha. A maior, né?
— Não, pai, a mais bonita.
Ela aponta uma minhoca avermelhada, com um anel azulado no meio:
— Pode pegar, pai, ela não faz mal.
Ele pega, com calma, fechando a mão sobre a minhoca que se acalma nessa pequena escuridão, e a filha sorri para ele. Depois ele lava as mãos várias vezes. Ela vai para a escola com o potinho de iogurte cheio de terra e a minhoca, como quem leva um troféu. Na janta, ele pergunta como foi a aula com a minhoca.
— A Miminha, pai? Nem precisei dela, a professora usou só uma minhoca pra cortar e mostrar como é por dentro. Aí a gente soltou as outras no jardim.
A mãe pergunta se eles não podem falar de outra coisa às refeições, a menina diz que minhoca não é nojenta, é boa e bonita. A mãe suspira fundo, ela sussurra:
— Foi minha primeira minhoca, pai.
— Foi minha primeira minhoca também, filha.
E depois ficam juntos na janela, vendo a chuva cair do céu, passando pelo nosso mundo para ir molhar o mundo das minhocas.
FONTE: Livro - Deixa que eu conto. / Antologia de contos / Carlos Drummond de Andrade
GLOSSÁRIO:
CHACOALHAM - chacoalhar - Sacudir (algo), fazendo com que produza barulho
CHUMBADA - Tiro com projétil ou projéteis de chumbo (esp. na forma de grãos, em armas de caça)
EMBORNAIS - embornal - Saco com ração que se prende ao focinho de animal para que dele coma
ENXURRADA - Corrente de água ger. impetuosa que flui depois de chuva demorada ou temporal ; ENXURRO
CHORAMINGA - Chorar baixinho
CHUVISCA - chuviscar - Chover pouco e miúdo; BORRIÇAR; BORRIFAR; PENEIRAR
CAVUCAR - cavar ; escavar.
VEXAME - Ação ou resultado de vexar(-se); HUMILHAÇÃO; VERGONHA
PIABA - Denominação dada a algumas espécies de peixes de rio, da fam. dos anostomídeos, esp.dos gên. Leporinus e Schizodon, de boca pequena, que se alimentam de matéria vegetal e de detritos orgânicos; ARACU; PIAU; PIAVA
CAMPINEIRO - Pessoa nascida ou que vive em Campinas (SP) / Que vive no campo.
CAMPINEIRO - Pessoa nascida ou que vive em Campinas (SP) / Que vive no campo.
FONTE DO GLOSSÁRIO: aulete.com
SÍNTESE DO GRUPO
A história fala de uma menina com vontade de ter uma minhoca, pois precisava de uma para levar para a escola e estudá-la de acordo com sua professora.
Ela pediu para seu pai levá-la para buscar uma minhoca, mas o pai demonstrava medo e nojo, tanto que quando a garota falava nisso, ele mudava de assunto.
Mas de tanto que a menina insistiu, o pai teve de perder o medo e levá-la para caçar as minhocas.
Foi em um dia de chuva, eles cavucaram e cavucaram , e acharam uma minhoca, vendo isso, o pai teve que perder o medo e pegar uma também.
Concluímos que nesta história, o pai enfrentou o medo para ajudar a filha,pois ela implorou muito. Comparando aos dias atuais, que muitas crianças imploram também por um lar e uma boa vida. Pois muitos pais abandonam seus filhos pois não querem enfrentar as dificuldades que existem.
BIOGRAFIA DO AUTOR - DOMINGOS PELLEGRINI
Domingos Pellegrini é um escritor brasileiro. Nasceu em Londrina, 23 de julho de 1949.
É escritor, jornalista e publicitário.
Entre as suas obras destacam-se Terra Vermelha, que conta a história da colonização do Paraná, O Caso da Chácara Chão e O Homem Vermelho, tendo por estas duas últimas obras ganho o prêmio Jabuti.
Suas principais obras de sucesso foram:
* O Homem Vermelho (contos), 1977.
* As Sete Pragas (contos).* Paixões (contos).
* Os Meninos Crescem (contos).
* Tempo de Meninos (contos).
* Negócios de Família (contos).
* Meninos e Meninas (contos).
* Bicho-gente (contos).
E muitas outras.
Suas inspirações vêem surgindo desde a infância, nas musicas e historias que ouvia no salão de seu pai.
Seus livros são focados no povo infanto-juvenil, pois afirma ele, que sua meta é escrever como quem fala à uma criança.
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ESCOLA JUVENAL - 9ºA - GRUPO:
Felipe Medeiros Mendes
Elison Braian
Ananda Almeida
Carlos Eduardo
Henrique Manoel
Ana Letícia
nossa, legal, esse texto nos ensina a nao ter medo dos bichinhos da terra, o exemplo é a minhoca, que é rosada, mole, más não faz mal a ninguém
ResponderExcluirEssa publicação está mt boa. A síntese do grupo está bem
ResponderExcluirrelacoonada com o no nosso dia a dia. A biografia está legal tbm, pois com ela eu conheci um òtimo escritor ki é o Domingos Pellegrini ke eu num conhecia. Parabéns!!!
Esse trabalho está bom, a síntese está bem feita. A coisa que mais me chamou a atenção foi a critica, pois está relacionando o texto com a nossa vida. Gostei.
ResponderExcluirRealmente, a história retrata a nossa vida mesmo.
ResponderExcluirTemos nojo de minhoca, e algumas pessoas até medo, mas pensando bem, não precisa ter medo da minhoca apenas porque há uma estrutura diferente e vive em baixo da terra.
A minhoca é bem útil como por exemplo, usar na pescaria; alimento para os peixes.
Entre outros. Está bom, gostei da história e da síntese.
Muito boa a história, curti!!!
ResponderExcluirE nossa síntese ficou boa.
Muito interessante toda a publicação. A história fala sobre o pai ke tinha medo de minhocas mas com a insistencia ele prdeu este medo. A biografia está bem resumida, com isso facilita o intendimento.
ResponderExcluirMuito bem!
ResponderExcluirPostagem de acordo com o roteiro.
Boa apresentação.
Pellegrini foi ao mesmo tempo engraçado e irônico
É isso aí, pessoal!
por favor preciso das referencias desse conto ?
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