terça-feira, 16 de abril de 2013


Cego e amigo Gedeão à  beira da estrada.

                                                      Moacyr Scliar


— Este que passou agora foi um Volkswagen 1962, não é, amigo Gedeão?
— Não, Cego. Foi um Simca Tufão.
— Um Simca Tufão? ... Ah, sim, é verdade. Um Simca potente. E muito econômico. Conheço o Simca Tufão de longe. Conheço qualquer carro pelo barulho da máquina.
Este que passou agora não foi um Ford?
— Não, Cego. Foi um caminhão Mercedinho.
— Um caminhão Mercedinho! Quem diria! Faz tempo que não passa por aqui um caminhão Mercedinho. Grande caminhão. Forte. Estável nas curvas. Conheço o Mercedinho de longe... Conheço qualquer carro. Sabe há quanto tempo sento à beira desta estrada ouvindo os motores, amigo Gedeão? Doze anos, amigo Gedeão. Doze anos.
É um bocado de tempo, não é, amigo Gedeão? Deu para aprender muita coisa. A respeito de carros, digo. Este que passou não foi um Gordini Teimoso?
— Não, Cego. Foi uma lambreta.
— Uma lambreta... Enganam a gente, estas lambretas. Principalmente quando eles deixam a descarga aberta.
Mas como eu ia dizendo, se há coisa que eu sei fazer é reconhecer automóvel pelo barulho do motor. Também, não é para menos: anos e anos ouvindo!
Esta habilidade de muito me valeu, em certa ocasião... Este que passou não foi um Mercedinho?
— Não, Cego. Foi o ônibus.
— Eu sabia: nunca passam dois Mercedinhos seguidos. Disse só pra chatear. Mas onde é que eu estava? Ah, sim.
Minha habilidade já me foi útil. Quer que eu conte, amigo Gedeão? Pois então conto. Ajuda a matar o tempo, não é? Assim o dia termina mais ligeiro. Gosto mais da noite: é fresquinha, nesta época. Mas como eu ia dizendo: há uns anos atrás mataram um homem a uns dois quilômetros daqui. Um fazendeiro muito rico. Mataram com quinze balaços. Este que passou não foi um Galaxie?
— Não. Foi um Volkswagen 1964.
— Ah, um Volkswagen... Bom carro. Muito econômico. E a caixa de mudanças muito boa. Mas, então, mataram o fazendeiro. Não ouviu falar? Foi um caso muito rumoroso. Quinze balaços! E levaram todo o dinheiro do fazendeiro. Eu, que naquela época j á costumava ficar sentado aqui à beira da estrada, ouvi falar no crime, que tinha sido cometido num domingo. Na sexta-feira, o rádio dizia que a polícia nem sabia por onde começar. Este que passou não foi um Candango?
— Não, Cego, não foi um Candango.
— Eu estava certo que era um Candango... Como eu ia contando: na sexta, nem sabiam por onde começar.
Eu ficava sentado aqui, nesta mesma cadeira, pensando, pensando... A gente pensa muito. De modos que fui formando um raciocínio. E achei que devia ajudar a polícia. Pedi ao meu vizinho para avisar ao delegado que eu tinha uma comunicação a fazer. Mas este agora foi um Candango!
— Não, Cego. Foi um Gordini Teimoso.
— Eu seria capaz de jurar que era um Candango. O delegado demorou a falar comigo. De certo pensou: "Um cego? O que pode ter visto um cego?" Estas bobagens, sabe como é, amigo Gedeão. Mesmo assim, apareceu, porque estavam tão atrapalhados que iriam até falar com uma pedra. Veio o delegado e sentou bem aí onde estás, amigo Gedeão. Este agora foi o ônibus?
— Não, Cego. Foi uma camioneta Chevrolet Pavão.
— Boa, esta camioneta, antiga, mas boa. Onde é que eu estava? Ah, sim. Veio o delegado. Perguntei:
"Senhor delegado, a que horas foi cometido o crime?"
— "Mais ou menos às três da tarde, Cego" — respondeu ele. "Então" — disse eu. — "O senhor terá de procurar um Oldsmobile 1927. Este carro tem a surdina furada.
Uma vela de ignição funciona mal. Na frente, viajava um homem muito gordo. Atrás, tenho certeza, mas iam talvez duas ou três pessoas." O delegado estava assombrado. "Como sabe de tudo isto, amigo?" — era só o que ele perguntava. Este que passou não foi um DKW?
— Não, Cego. Foi um Volkswagen.
— Sim. O delegado estava assombrado. "Como sabe de tudo isto?" — "Ora, delegado" — respondi. — "Há anos que sento aqui à beira da estrada ouvindo automóveis passar. Conheço qualquer carro. Sem mais: quando o motor está mal, quando há muito peso na frente, quando há gente no banco de trás. Este carro passou para lá às quinze para as três; e voltou para a cidade às três e quinze." — "Como é que tu sabias das horas?" — perguntou o delegado. — "Ora, delegado"— respondi. — "Se há coisa que eu sei — além de reconhecer os carros pelo barulho do motor — é calcular as horas pela altura do sol." Mesmo duvidando, o delegado foi... Passou um Aero Willys?
— Não, Cego. Foi um Chevrolet.
— O delegado acabou achando o Oldsmobile 1927 com toda a turma dentro. Ficaram tão assombrados que se entregaram sem resistir. O delegado recuperou todo o dinheiro do fazendeiro, e a família me deu uma boa bolada de gratificação. Este que passou foi um Toyota?
— Não, Cego. Foi um Ford 1956.

Fonte: http://www.releituras.com/mscliar_cego.asp




     Glossário

Econômico: De baixo consumo (esp. de combustível).

Estável: Sem variações ou alterações.

Bocado: Pequena quantidade ou parte de qualquer coisa.

Ocasião: Circunstância ou momento qualquer.

Balaço: Grande bala; Tiro de bala.

Rumoroso:  Que causa pasmo, escândalo, sensação; Em que há rumor.

Cometido: Ocorrido, perpetrado.

Surdina: Em voz muito baixa, ou quase sem ruído.

Ignição: Sistema que aciona o motor de um veículo pela inflamação comandada da mistura combustível.

Gratificação: Demonstração de agradecimento, de reconhecimento.

Fonte: http://aulete.uol.com.br/


     Biografia

    Moacyr  Scliar nasceu em Porto Alegre , a 23 de março de 1937. Estreou na grande imprensa em 1952. 
    A Partir de 1962, já formado em médico, Scliar dividia seu tempo entre a medicina pública e a vida de escritor. Publicou , então , seu primeiro livro de contos , Histórias de médico em formação.
    Moacyr Scliar passou a publicar um livro por ano, mantendo sempre a medicina como principal atividade remunerada.


     Síntese Coletiva

     O conto aborda a historia de um senhor que era cego que costumava a ficar sentado em frente a sua casa ouvindo o barulho dos carros que ali passavam, com isso se acostumou com os sons e se familiarizou com o barulho dos motores assim sabendo diferenciá-los . 
    Certa vez, ouviu boatos sobre crimes ocorridos no local, com a sua habilidade conseguiu reconhecer o carro que envolvia-se em um dos crimes e foi recompensado pela policia.
    Concluímos que quando perdemos algum sentido ou habilidade temos que focar nossas forças em outro sentido com sabedoria para que não haja sequelas daquele que perdemos. 
    Quando se perde um dom isso nos afeta emocionalmente, porém não podemos apenas esquecer o "problema" ou ficar apenas sofrendo, temos que superá-lo e "inventar" um modo em que não tenhamos algum dano.  


     Ilustração



Grupo:
Barbara  Chagas 
Brena Benedicto
Bruna Jones
Laryssa Gomes 
Melissa Cristine
Renata Silva

 9º ano D
Escola: E.M.E.F. Juvenal da Costa e Silva





10 comentários:

  1. Essa história é interessante pois fala sobre como podemos de certa forma "superar" um tipo de dificuldade, não importa se ela é física ou emocional, todos perdemos coisas, porém, temos que ser fortes o suficiente para levantar a cabeça e seguir em frente, criar algo novo para "cobrir" aquilo que nos faz falta.

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  2. Bom, Eu gostei de trabalhar com esse texto pelo Fato dele falar de superar dificuldades, que é igual a vida real, Umas pessoas tentam, outras superam e outras nem tentam,
    o Personagem desse texto é ficticio mais nao muda em nada, Porém oque eu achei legal foi ele superar as dificuldades dele e ajudar a uma familia!.

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  3. Esse conto nos mostra que quando temos alguma dificuldade não podemos simplesmente desistir,ao contrário disso temos que aprender a utilizar nossos sentidos em outros aspectos ,como foi na historia do velho que de uma “falha” deu origem a um dom.

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  4. O conto fala que mesmo se perdermos algo nós podemos superar isso e até podemos descobrir novas coisas que podem nos ajudar ou ajudar os outros, assim como o cego ajudou a policia a achar os criminosos.

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  5. esse texto mostra que em meio de tantas dificuldades, podemos servir de ajuda para muitos que tambem tem dificuldade , assim fez o cego, ajudou o delegado a descobrir um crime quase impossivel de se investigar.

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  6. O texto é bom ,nos mostra como temos forças para prosseguir mesmo com deficiências.Você pode fazer disso uma virtude.

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  7. A síntese coletiva está um "show".
    Postagem completa e apresentação da sala tb.

    Parabéns!

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    1. Gostei também dos comentários e da forma como vcs entenderam o texto!

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Qual e o conflito do conto , cego e o amigo Gedeao a beira da estrada

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